Senta que lá vem história! Quem não gosta daquele momento mágico do início das histórias? Aquele friozinho na barriga, estrelas brilhando no canto dos olhos e os ouvidos bem abertos? Os meus estão sempre escancarados!
Assim foi a sensação que eu tive ao me aproximar da obra Mujawara na Bienal de São Paulo em outubro de 2014. Uma pequena árvore suspensa e muitos banquinhos ao redor, cada um com um livro esperando para ser aberto. Não pensei duas vezes! Sentei e comecei a ler.
Nas primeiras páginas dizia: “O silêncio é um modo especial de ação e está sempre a nossa disposição. É uma maneira de ser, de sair de um lugar para chegar a outro. São nesses momentos, mais quietos, normalmente um pouquinho antes de anoitecer, que conseguimos ouvir os mais lindos sonhos”.
E depois: “O que o baobá nos contava eram sonhos dele e eram também os sonhos que ele ouvia. Às vezes, a árvore nos contava até os nossos próprios sonhos, que antes mesmo da gente reconhecer, ele já tinha escutado”.
Fiquei ali quietinho por um tempo, aí não aguentei e comecei a conversar com a árvore encantada. Ela me contou algumas histórias, eu contei outras… Foi uma conversa e tanto!
E então eu fui entendendo. É que a arvorezinha era um baobá-bebê que tinha vindo da África. Os baobás, quando adultos, chegam a ficar tão, tão, tão grandes que dá para fazer uma ciranda de mais de dez crianças em volta deles. E eles ainda podem crescer até 30 metros de altura e viver por mais de 6 mil anos!
Como os baobás podem ficar muito velhinhos, dizem que eles são guardadores de histórias e cuidam das memórias do mundo. Por isso, dizem também que podemos confiar segredos a essas árvores gigantes e que quem sentar a seus pés pode ouvir suas histórias.
Ele me contou que fazia parte da obra Mujawara da Árvore-Escola (mujawara quer dizer “vizinhança” em árabe). Ela foi realizada em parceria pelos artistas Sandi Hilal, da Palestina, Alessandro Petti, da Itália, e Grupo Contrafilé, do Brasil.
Para criá-la, os artistas conviveram durante um mês numa comunidade quilombola no sul da Bahia. Eles tentaram entender como as pessoas vivem em situação de refúgio aqui no Brasil e na Palestina. Situação de refúgio é quando um grupo é levado a viver isolado para se proteger de uma situação perigosa.
Na Palestina, o campo de refugiados Deheishe, na cidade de Belém, abriga pessoas que perderam suas casas devido aos conflitos políticos com o Estado de Israel. No Brasil, os quilombos existem desde a época da escravidão e são espaços de luta contra a opressão, onde se vive em comunidade, uns ajudando aos outros.
Então o resultado desse encontro foi o livro que conta a experiência que os artistas viveram e algumas histórias lindas de baobá. Outro resultado foi essa instalação que eu curti durante um bom tempo lá na bienal.
Interessante… Aquele baobá também estava meio como refugiado ali, sabia? Porque, se ele veio lá da África, deve sentir saudades de casa e deve querer muito conversar com alguém.
Ainda bem que encontrou um amigo bom de prosa! =)
Tcha-au!
Fotos: Ana Paula Campos